Neuromodulação, aprendizagem e processamento da linguagem da infância à vida adulta.

Thursday, 16 de September de 2021

     A linguagem pode ser definida como o sistema através do qual o homem comunica suas idéias e sentimentos, seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais.  O processamento da linguagem é considerado como uma habilidade exclusivamente humana que não é produzida com a mesma compreensão gramatical ou sistematicidade, mesmo em parentes de primatas mais próximos do ser humano. Dessa forma, sabemos que estruturas específicas cerebrais são responsáveis por esse mecanismo de controle da linguagem e que dependendo do seu estímulo e desenvolvimento no decorrer dos anos, desde o nascimento até a vida adulta, ocorre a especialização funcional de cada área relacionada. Sabendo disso, é imprescindível compreender os mecanismos neurofisiológicos relacionados ao processamento da linguagem durante seu desenvolvimento para possíveis intervenções em casos de potencialização da aprendizagem relacionada a esse mecanismo ou distúrbios que envolvem déficits na comunicação. Nesse contexto, algumas ferramentas podem ser utilizadas para auxiliar a atividade  das áreas envolvidas com a linguagem, como é o caso da neuromodulação não invasiva. Aqui, vamos discutir quais mecanismos neurofisiológicos por trás do processamento da linguagem durante seu desenvolvimento e o papel da neuromodulação nesse processo.

      Inicialmente, principalmente no hemisfério cerebral esquerdo, as palavras ouvidas são enviadas pelas vias sensoriais para áreas de processamento inicial auditório (córtex auditivo primário), seguido pelo córtex temporoparietal e temporal superior anterior responsáveis pelo reconhecimento auditivo da palavra. Essas áreas enviam essas informações para áreas de associação do giro angular, onde haverá a representação neural desses estímulos. Esse estímulo segue para área de Wernick, onde junto com o córtex frontal anterior processará a descrição fonológica (distinção de fonemas), lexica (classes de organização vocabular), sintática (regras gramaticais) e semântica (significado), respectivamente, pela via do fluxo auditivo ventral que é responsável pelo reconhecimento das palavras ditas. Ainda, após esse tipo de processamento, após chegar no córtex frontal, esses sons podem gerar algum tipo de reação ou sentimentos específicos, dependendo do contexto de vida do indivíduo. Além disso, outras áreas como o córtex occipital, responsável pela visão, também tem vias projetadas para o córtex frontal envolvidas com o processamento da linguagem, que para este caso, está relacionado com a leitura e processamento de texto. Outra via importante nesse processo, é a via do fluxo dorsal auditivo que é responsável pela localização sonora desses sons. Após a identificação e o processamento das inputs sensoriais auditivos, ocorre o envio dessas informações para área de Broca (giro frontal inferior esquerdo) para articulação de palavras e frases, onde associado com áreas de codificação pré-motora e de controle motor da fala (córtex motor primário) (imagem o lado), e haverá a articulação de palavras e frases, podendo ser verbalizada nossa opinião como resposta a uma pergunta que ouvimos anteriormente, por exemplo. Abaixo você pode acompanhar um vídeo que melhor resume todo esse processo:


    Sabendo de tudo isso, o que pode explicar que para uma criança, a aprendizagem de línguas parece ser mais simples, do que para um adulto? Isso está relacionado diretamente Às crianças quando comparadas aos adultos possuem maior facilidade de detectar sons diferentes e assimilar sotaques nativos ou aprender novas línguas além da materna. Isso acontece pois nos primeiros anos de vida o cérebro começa a se especializar, sintonizando os sons que ouvimos com mais frequência, processando os estímulos verbais antes mesmo de o aprender. Entre 1 e 6 anos representa um importante período de neurodesenvolvimento anatômico e funcional de áreas relacionadas com a expansão da linguagem nos domínios da fonologia, prosódia e segmentação de palavras. Essas áreas como o giro temporal (linguagem) e o hipocampo (memória e aprendizagem), por exemplo, se desenvolvem mais precocemente acompanhando o curso maturacional  da mielinização cerebral no sentido póstero-anterior. Além disso, em crianças ocorre grande plasticidade neuronal nessas áreas (imagem abaixo), onde junto com a exuberância sináptica (maior facilidade de se criar novas sinapses), garantem a potencialização da aprendizagem de novas línguas nessa fase. Já os adultos, além de não terem esse tipo de aptidão de aprendizagem fonológica, possuem uma capacidade cognitiva limitada para expansão do vocabulário em uma língua específica, o que possui relação com seu maior grau de instrução, atenção e racionalização cognitiva. As crianças possuem dificuldade desse tipo de aprendizado porque não têm controle cognitivo, o que pode ser explicado pelo desenvolvimento tardio do córtex frontal e de outras áreas responsáveis pelo processo de planejamento, pensamento crítico e autocontrole quando comparadas às áreas relacionadas à linguagem.


       Sabendo da importância da fase da infância no desenvolvimento da linguagem, é imprescindível que estímulos relacionados a esse campo sejam frequentes no intuito de evitar déficits na fase adulta, e mesmo na fase adulta distúrbios fisiológicos ou fatores patológicos podem favorecer o comprometimento da linguagem. Nesse contexto, surge a neuromodulação não invasiva, como é o caso da estimulação magnética transcraniana (TMS) e Estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS), que tem se mostrado promissora nessa área. Estudos realizados com TMS ou tDCS dorsolateral pré-frontal em conjunto com a terapia de linguagem, modulam o processamento da linguagem, melhorando os resultados da terapia de linguagem na afasia progressiva primária, como melhora na articulação da fala na condição anódica. Além disso, outros trabalhos realizados com crianças com Síndrome de Rett e deficiências crônicas de linguagem o tDCS mostrou efeitos benéficos neurofisiológicos e cognitivos. No entanto, nenhum estudo mostra os efeitos do tDCS junto com  terapia da linguagem na integridade da substância branca (onde existe maior conexão bidirecional entre a área de Broca e de Wernicke, no caso da cápsula extrema) além de também não ser muito claro seus efeitos na facilitação da produção aberta de palavras em um segundo idioma. Além disso,  são necessários mais estudos  para determinar a eficácia de longo prazo das técnicas de estimulação cerebral não invasiva nas habilidades de linguagem e identificar os parâmetros ideais para permitir os maiores ganhos também relacionados à linguagem e em distúrbios como a  afasia progressiva primária.


Desenho experimental

    Aqui vamos propor possíveis desenhos experimentais para a investigação dos efeitos a longo e curto prazo do TMS e tDCS junto  sobre o desenvolvimento da linguagem em crianças saudáveis, atividade elétrica cerebral e mudanças estruturais. Para isso, a eletroencefalografia (EEG) é uma ótima ferramenta para explorar a modulação da excitabilidade cortical das áreas do cerebrais envolvidas na linguagem antes e depois da neuromodulação por TMS ou tDCS ativa e simulada através da observação de alterações no sinal eletrofisiológico de frequência e potenciais evocados. Já a ressonância magnética funcional  (fMRI) (imagem ao lado) pode ser uma boa alternativa para avaliação das mudanças estruturais cerebrais como na integridade da substância branca. Poderão ser considerados 6 grupos para a avaliação dos efeitos TMS e tDCS em crianças (entre 2 a 8 anos): grupo 1 (TMS simulado + terapia de linguagem), grupo 2 (TMS ativo + terapia de linguagem),  grupo 3 (TMS ativo sem terapia de linguagem)  grupo 4 (tDCS simulado + terapia de linguagem), grupo 5 (tDCs ativado + terapia de linguagem), grupo 6 (tDCS ativo sem terapia de linguagem). Todas as crianças passarão por uma avaliação inicial eletroencefalográfica (EEG), estrutural cerebral (fMRI) e da linguagem, e uma avaliação final igual a inicial depois das sessões de TMS, tDCS e terapia da linguagem, dependendo de acordo com o grupo pertencente (Imagem abaixo). Com os resultados, poderemos observar os efeitos neurofisiológicos da neuromodulação não invasiva sobre o desenvolvimento da linguagem de crianças.
 


Referâncias:

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Autor:

Rodrigo Oliveira

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