O cérebro muda na gravidez?

Tuesday, 22 de November de 2022
Uma das características mais conhecidas da gravidez é a imensa carga hormonal associada. A gestação induz uma série de alterações fisiológicas promovidas pela enxurrada hormonal, que chegam a alterar inclusive a anatomia do cérebro! Além de preparar o corpo para receber o filhote, os hormônios associados à gestação contribuem para o aparecimento de comportamentos de cuidado parental, fundamentais para a sobrevivência da prole. 
 
O circuito mesolímbico de recompensa é fortemente ativado em fêmeas de mamíferos de diferentes espécies quando há contato com estímulos associados à prole (cheiro, amamentação). Essa ativação chega a ser maior que aquela provocada por drogas, como a cocaína. Estímulos relacionados a filhotes promovem liberação de dopamina no núcleo accumbens, componente importante do sistema de recompensa, o que reforça ainda mais os comportamentos maternais. 
 
Um grupo de pesquisadores da Espanha, da Noruega e da Holanda investigou um pouco mais a fundo as alterações neuroanatômicas e de ativação do estriado ventral, região associada ao sistema de recompensa e que contém o núcleo accumbens. Uma observação importante é que a definição automática do estriado ventral por técnicas de neuroimagem é considerada inconstante, portanto os pesquisadores desenvolveram um sistema manual padronizado para delimitação e medição do volume desta área, já utilizado em diversos trabalhos.
 
O grupo de cientistas recrutou mulheres que nunca haviam engravidado e as submeteram a duas sessões de Ressonância Magnética Funcional (fMRI), com um intervalo de 2 a 4 meses de diferença. As mulheres foram divididas em dois grupos - aquelas que ainda não tiveram filhos (CTR) e aquelas que engravidaram entre as sessões (PRG).  Algumas das mulheres do grupo PRG foram chamadas 2 anos depois, caso não tivessem engravidado novamente, para realizar mais uma sessão. Não foram encontradas diferenças preexistentes significativas entre os grupos. 
 
Em todas as sessões, foi avaliado o volume do estriado ventral. Durante a sessão pós-gestação, foi avaliada a ativação da região em questão enquanto imagens de bebês desconhecidos e de seus próprios filhos eram exibidas às participantes. Os valores foram normalizados para possíveis alterações no volume cerebral total. É interessante pontuar que cada mulher constituiu seu próprio valor de referência, visto que os pesquisadores compararam as imagens individuais obtidas antes e após a gestação.
 
Anatomicamente, observou-se redução bilateral do volume do estriado ventral nas mulheres que engravidaram entre as sessões, sendo tal redução mais expressiva do lado direito (imagem 1). Para confirmar a especificidade das alterações, os pesquisadores avaliaram o estriado dorsal e concluíram que não houve alteração no volume desta região.  Não foram observadas diferenças significativas entre os dados obtidos nas sessões pós-parto (~2-4 meses e 2 anos após o parto). 



Imagem 1 - A: Gráfico ilustrando a diferença no volume do estriado ventral entre os grupos de mulheres que engravidaram entre as sessões (PRG) e de mulheres que não engravidaram (CTR). É possível notar uma redução mais significativa no lado direito. B: Gráfico referente somente às mulheres do grupo PRG; Comparação do volume médio do estriado ventral calculado a partir das imagens obtidas nas 3 sessões de fMRI - Pre: antes da gestação; Post: após a gestação; Post+2yrs: 2 anos após o parto; Nota-se maior redução do volume do estriado ventral após a gestação, mais expressiva do lado direito, sendo que não houve diferença significativa no volume calculado dois anos após o parto. Adaptada de Hoekzema et al. (2020).
 
 
Quanto à ativação funcional, foi observada ativação bilateral mais forte dos estriados ventrais em resposta a imagens do próprio bebê, quando em comparação com imagens de bebês desconhecidos, o que reafirma o envolvimento dessa região no cérebro maternal humano. 
 
As alterações observadas, em associação com outros dados da literatura, sugerem que o circuito de recompensa sofre alterações que contribuem para a preparação para a maternidade e para o cuidado parental, elevando a responsividade de tal sistema a estímulos relacionados à prole.
 
Mas como assim reduzir o volume do cérebro pode ser uma boa?
 
Estudos publicados na literatura, inclusive alguns pelo mesmo grupo, indicam similaridade nos processos da adolescência e da gestação, ambos marcados por drásticas alterações hormonais. Os autores compararam as alterações neuroanatômicas características destes dois períodos e encontraram um padrão surpreendentemente similar. 
 
Outros estudos associaram as mudanças neuroanatômicas da adolescência, como redução de massa cinzenta, a uma atividade cerebral mais forte e especializada - também observada neste estudo - e a podas sinápticas, processo importante atrelado à plasticidade neural. 
 
Os pesquisadores pontuaram que, para próximos estudos, seria importante ter mais dados referentes à biologia celular dos neurônios, monitorar fatores endócrinos (hormônios) e ambientais (educação, sono, alimentação, etc), para fortalecer ainda mais os achados deste trabalho. 
 
Referência:
Hoekzema, E., Tamnes, C. K., Berns, P., Barba-Müller, E., Pozzobon, C., Picado, M., Lucco, F., Martínez-García, M., Desco, M., Ballesteros, A., Crone, E. A., Vilarroya, O., & Carmona, S. (2020). Becoming a mother entails anatomical changes in the ventral striatum of the human brain that facilitate its responsiveness to offspring cues. Psychoneuroendocrinology, 112(November 2019), 104507. https://doi.org/10.1016/j.psyneuen.2019.104507
 

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Autor:

Beatriz Carvalho Frota

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