Afeto e leitura na primeira infância

Wednesday, 21 de October de 2020
A mãe acaricia os cabelos ralos do bebê próximo à janela do quarto. Aninhado em seu colo, escuta sussurros de histórias ancestrais, trazidas até sua mãe da mesma forma: na calada da noite, na hora de dormir, no momento de intimidade entre pais e filha.
A brisa suave do fim do dia e a luz rosada do sol que se põe dão ao bebê um emaranhado
sensorial
: Voz da mãe, brisa, cor, “cafuné”.

Naquele momento -  poucos se dão conta -  mas naquele momento, o bebê está lendo. É um contato precoce com a literatura, com a riqueza cultural do imaginário humano. O bebê ainda não dispõe de linguagem desenvolvida, poder de abstração ou mesmo imaginação, mas seu cérebro está, naquele momento, criando conexões neurais que serão utilizadas em toda sua trajetória como leitor.

Para Yolanda Reyes, especialista em leitura na primeira infância, há uma série de premissas que sustentam a necessidade de iniciar as crianças ainda muito jovens no mundo da leitura. A primeira premissa é de que a primeira infância é um período crítico no desenvolvimento cerebral da criança. Dessa forma, os estímulos acertados criarão uma espécie de “base” para tudo o que a criança tem potencial de se transformar no futuro.

A segunda premissa é a de que a criança deve ser vista como sujeito desde sua fase como bebê. Para Reyes, este é o enfoque político de sua pesquisa, uma vez que tal ideia sugere olhares e investimentos diferenciados para a primeira infância como um todo.
Para o bebê e para a criança bem pequena, as emoções, os sentidos e o conhecimento estão associados de maneira complexa, por isso, garantir comportamentos leitores, ou formar leitores, não é uma tarefa simples e institucional, que compete somente à escola.

Quando falamos de primeira infância, nos referimos à tríade casa, estado, escola. Todas essas grandes instituições deveriam estar ligadas para favorecer o desenvolvimento pleno das crianças e oferecer a elas uma gama de estímulos e experiências que as façam explorar o máximo de seu potencial. No entanto, sabemos não ser assim. Enquanto professores, ao adentrarmos uma turma de Educação Infantil, percebemos que muitas das crianças possuem vínculos frágeis ou inexistentes com seus cuidadores em casa. Que muitas vivem em ambientes insalubres, de violência, fome ou falta de condições para higiene.

“Muitas vezes, uma criança nasce num ambiente vulnerável, fragilizado ou hostil, que repercute em sua vida. Não há presença do pai, da mãe, de nenhum dos dois. Não irá conhecer o pai que desapareceu ou que não tem conhecimento de que é o pai daquele filho. Ou também não conhecerá sua mãe biológica.” (PARREIRAS, Ninfa, pág 41)
 
Outra situação, então, se configura em nossa imaginação.
O bebê chora sozinho no berço. Faz frio e a janela está aberta mesmo assim. Com o pôr do Sol, o cansaço de um dia inteiro se abate sobre a mãe, que grita com o bebê para que ele pare de chorar. Não há toque, nem carícia. A mãe está sem comer o dia inteiro, não há dinheiro para jantar aquele dia. O bebê ainda chora. A mãe grita xingamentos que o bebê não conhece, mas ele é capaz de sentir o peso de suas palavras. Um emaranhado sensorial é oferecido ao bebê: Grito, frio, solidão, medo, cansaço e fome.

Em ambas as situações supracitadas o bebê foi afetado pela experiência vivida. Como define Henri Wallon, a afetividade humana é formada por emoções positivas tanto quanto negativas. Assim, “O estudo da criança exigiria o estudo dos meios onde ela se desenvolve. É impossível de outra forma determinar exatamente o que é devido a este e o que pertence ao seu desenvolvimento espontâneo”. (WALLON, 1982:189).

No que diz respeito à leitura, o ambiente no qual a criança se desenvolve pode ser à priori rico ou empobrecido. Sua casa pode ou não ter livros, os adultos podem ou não contar histórias em momentos de acolhimento, as brincadeiras e jogos próprios da infância podem, ou não, ser respeitados naquele ambiente.
Os professores sabem disso, percebem nos comportamentos das crianças as narrativas que trazem de suas casas, de seus ninhos. Mas, então, como ajuda-los a voar?

O contato com a literatura oral e escrita pode e deve ocorrer desde muito cedo na vida das crianças por meio da leitura. A escuta de bons textos literários enriquece a experiência estética das crianças, que mesmo antes de aprender a falar, já apreciam a modulação da voz humana e a musicalidade das palavras. Quando o professor lê para os bebês e compartilha seu encantamento com a leitura, aproxima-os do universo literário e do prazer que envolve o ato de ler.

Ao ouvir um adulto ler, o bebê entra em contato com a dimensão da linguagem escrita, que se apresenta em uma cadência própria e fixa e, a depender do livro escolhido, com rimas, repetições e ritmos novos e envolventes para eles.
Se uma parte do tripé necessário ao desenvolvimento integral da criança, que é a família, está instável e fragilizado, como o Estado e a Escola podem oferecer mudanças de rumo nas vidas dessas crianças?

Autora: Emi Machado

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Autor:

Mab Abreu

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