TMS associado a estímulos visuais e motores no processo de extinção de memórias traumáticas.

Monday, 04 de October de 2021
 
     A memória sempre despertou o interesse do homem desde a antiguidade, porém os primeiros estudos científicos foram realizados há pouco mais de um século. Atualmente, apesar de ainda existir várias lacunas acerca dos fenômenos fisiológicos envolvidos no processo de formação de memórias, muitos trabalhos realizados com reconsolidação de memória associados ao processo de extinção de memórias traumáticas tem se destacado cada vez mais no meio científico. Com o avanço da tecnologia e da ciência biológica comportamental, várias terapias alternativas podem ser possivelmente utilizadas para o tratamento dos transtornos envolvendo essas memórias. Aqui vamos discutir algumas dessas ferramentas e como podemos associá-las para uma possível potencialização de sua eficácia.

   Imagine ter vivenciado um episódio traumático que continua trazendo efeitos deletérios prejudicando seu estilo de vida e podendo trazer outros tipos de problemas psicológicos associados, é o que acontece nos casos de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT).  Esse transtorno se baseia em episódios involuntários de perturbações psicológicas fisiológicas desencadeadas por gatilhos que remetem algum evento traumático já vivido, como por exemplo agressão física ou sexual, assalto, sequestro, acidentes entre outros. Os sintomas envolvidos podem ser sudorese, náusea e tremores, prejuízos sociais, freezing (estado de choque), depressão, ou até mesmo desenvolvimento de outros transtornos como o transtorno dissociativo de identidade. O tratamento consiste em psicoterapia e medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos. A psicoterapia geralmente é voltada para terapia de extinção de memórias aversivas, onde o indivíduo  com TEPT é exposto às situações específicas que desencadeiam medo excessivo em ambiente controlado para aprender a lidar com aquele trauma, atribuindo outra perspectiva emocional a ele. Essa terapia tem como base fisiológica o princípio da reconsolidação da memória. Para entendermos esse processo, temos que compreender como uma memória aversiva se consolida como um processo de aprendizagem. Inicialmente, após um evento traumático, as memórias recém adquiridas se encontram em um estado lábil.  Porém, as memórias são estabilizadas e consolidadas rapidamente se tornando de longo prazo,  já que acontecimentos com forte carga afetiva são bem mais consolidados pois ocorre um maior recrutamento de áreas cerebrais envolvidas associando a atividade endócrina a memórias afetivas. A consolidação ocorre com a ativação da cascata molecular responsável pelo aumento de síntese proteica nas áreas cerebrais envolvidas. O processo de reconsolidação se caracteriza por permitir que uma memória previamente armazenada em um processo de consolidação inicial seja modificada e fortalecida a partir da incorporação de novas informações. Isso é o que ocorre na terapia de extinção de memórias aversivas, onde a apresentação do estímulo aversivo induz a reconsolidação daquela memória traumática, tornando-a instável e suscetível à adição de novas informações que ressignifique aquela memória evitando respostas emocionais deletérias como medo e ansiedade. O próprio ambiente controlado, por exemplo, serve como uma nova informação de ressignificação.

    Trabalhos recentes realizados com Realidade Virtual (VR), equipamento capaz de simular um ambiente de interação virtual, mostrou um ótimo resultado no tratamento de fobias e TEPT associado com psicoterapia de extinção, justamente por oferecer um ambiente virtual controlado que demonstra ao indivíduo segurança diante do seu trauma (imagem ao lado). Outro estudo também mostrou a importância do enriquecimento de informações nesse ambiente controlado, onde ratos que foram expostos a ambientes diferentes antes e depois do estímulo aversivo (terapia de extinção), obtiveram mais sucesso na extinção de suas memórias traumáticas, ou seja, mostra que a exposição a simples novidades (como no caso, um ambiente novo) influencia a recordação da informação de outro acontecimento, podendo "mascarar" a memória aversiva. 


  Apesar do sucesso terapêutico da psicoterapia de extinção de memórias aversivas associado a farmacologia ou não, esses tratamentos muitas vezes não são muito eficazes e podem apresentar alguns efeitos adversos deletérios, fazendo com que a busca por outras abordagens terapêuticas sejam mais viáveis. Dessa forma, muitos trabalhos utilizando técnicas de neuromodulação na tentativa de "deletar" essa memória aversiva vem se destacando no meio científico. Trabalhos utilizando  Transcranial Magnetic Stimulation (TMS), quando aplicadas no córtex pré-frontal mostrou melhora de sintomas de depressão apresentando mudanças na rede de controle cognitivo emocional, além de melhorar a memória de longo prazo em adultos mais velhos. Além disso, indivíduos que tiveram a inibição da região do córtex pré-frontal através do TMS, importante área envolvida no processo de consolidação da memória de longo prazo, desenvolveram uma resposta psicofisiológica menor aos estímulos aversivos (imagem ao lado). Como vimos, outras técnicas associadas à psicoterapia de extinção de memórias aversivas podem ajudar no tratamento TEPT e de seus fatores emocionais associados. Também vimos que o ambiente controlado pode ser um fator crucial para o sucesso da terapia. Nesse contexto, existe a possibilidade de que a evocação de outros tipos de memórias também possam estar relacionadas com o recrutamento de uma memória aversiva, como é o caso da memória motora. Trabalhos mostram que demandas cognitivas influenciadas por uma memória traumática podem influenciar na adaptação da caminhada, diminuindo o desempenho motor ao realizar a marcha. Outro trabalho realizado em humanos mostrou que uma caminhada de 15 minutos de intensidade moderada antes de uma tarefa de aprendizagem auditivo verbal foi eficaz em influenciar a memória episódica de longo prazo. Dessa forma, possivelmente, associar uma terapia de extinção, com uma tarefa motora associada utilizando ferramentas como VR (com exposição de um ambiente novo antes e depois de um estímulo aversivo) e TMS, poderia ser uma ótima alternativa para potencializar o tratamento de TEPT e seus efeitos emocionais deletérios adjacentes. No entanto, muito pouco se sabe sobre a possibilidade de usar o aprendizado de habilidades motoras ou simplesmente apenas a realização de uma atividade física simples como caminhar para aprimorar o processo de reconsolidação de uma memória aversiva, sendo necessário mais estudos nessa área. 


Desenho experimental

     Aqui vamos propor um desenho experimental envolvendo a terapia de extinção de memórias aversivas associada ao TMS,  estímulos visuais ( por realidade virtual - VR) (imagem ao lado) e motores com um objetivo de desenvolver uma possível técnica de potencializar o tratamento do TEPT. Para isso, será avaliado as emoções antes, durante e depois da intervenção, visto a importância do emocional no processo de evocação de memórias traumáticas. A emoção pode ser um importante medidor de sucesso da terapia, já que a extinção de emoções como medo e ansiedade está intimamente relacionada com a extinção da memória traumática. As emoções poderão ser avaliadas através da eletroencefalografia (EEG) visto que é possível cada emoção possuir uma assinatura eletroencefalográfica específica, variando o tempo, frequência e domínios de tempo-frequência mistos dependendo da emoção evocada no momento. Além disso, o EEG poderá ser utilizado associado com a espectroscopia de infravermelho próximo NIRS (imagem ao lado) para uma avaliação hemodinâmica cerebral e consequentemente termos resultados mais acurados. As emoções também poderão ser avaliadas através da termografia associada a avaliação da linguagem corporal e comportamento. A termografia é uma técnica de registro gráfico das temperaturas de diversos pontos do corpo por detecção da emissão de radiação infravermelha e que pode ser utilizada como  medida alternativa não invasiva de correlatos fisiológicos de reações emocionais, já que alguns trabalhos mostram mudanças de temperatura em áreas do rosto e corpo de acordo com a emoção externa (Imagem ao lado). Já em relação a expressões corporais e comportamentais, devem ser avaliados a expressões faciais, prosódia (fala e entonação), movimento corporal (posição de braços e pernas ) e postura. Emoções padrões que geralmente são avaliadas em outros estudos que podem ser também avaliadas neste modelo são: felicidade, raiva, medo, nojo, tristeza e estado neutro (sem emoção). A análise dos dados de expressão corporal e comportamento podem ser realizadas através de softwares especializados em análise de vídeos como Mangold Interact . Para apresentar o estímulo aversivo e estímulo a ambientes interativos antes e depois poderá ser utilizado um ambiente virtual controlado através de um óculos de realidade virtual. Inicialmente será apresentado um ambiente virtual interativo novo  por 15 minutos, seguido de um estímulo aversivo (animal peçonhento, altura, etc.) por 10 minutos, finalizando novamente com apresentação de um ambiente virtual interativo novo  por 15 minutos. Para o estímulo motor de marcha, será realizada uma caminhada de 15 minutos de intensidade moderada antes, durante ou depois do estímulo aversivo dependendo do grupo em que o indivíduo se encontra. Em relação a neuromodulação por TMS, serão utilizados os parâmetros inibitórios de TMS no córtex pré frontal, apenas durante a apresentação do estímulo aversivo.

     Os indivíduos poderão ser alocados em outros 8 grupos distintos: grupo 1 (caminhada antes da exposição aversiva sem TMS), grupo 2 (caminhada durante a exposição aversiva sem TMS), grupo 3 (caminhada depois da exposição aversiva sem TMS) grupo 4 (caminhada antes da exposição aversiva com TMS), grupo 5 (caminhada durante a exposição aversiva com TMS), grupo 6 (caminhada depois da exposição aversiva com TMS), grupo 7 (sem caminhada, com exposição aversiva e com TMS) e grupo 8 (sem caminhada, com exposição aversiva e sem TMS). Todos os participantes dos grupos que serão expostos a algum tipo de estímulos visuais e auditivos aversivos que possam desencadear algum tipo de resposta de medo quando for exposto novamente. Para esses grupos, será realizada inicialmente a exposição do estímulo aversivo,  seguido da utilização de sessões de TMS dependendo do grupo, e depois a reexposição ao estímulo aversivo. Todos os grupos realizarão avaliações de memória aversiva ao medo através da avaliação eletroencefalográfica (EEG), hemodinâmica cerebral (NIRS), termografia, e expressão corporal como mostrado na figura abaixo.
 


REFERÊNCIAS
 
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Autor:

Rodrigo Oliveira

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