Reconsolidação da memória: biologia molecular e celular e sua importância no processo de aprendizagem.
Saturday, 21 de September de 2024
A memória é um dos processos psicobiológicos mais importantes, pelo qual é responsável pela aquisição, armazenamento e evocação de informações. Para fins classificatórios, a memória pode ser considerada não declarativa de caráter inconsciente, como aprender a dirigir por exemplo, ou declarativa de caráter consciente,como gravar um fato ou evento, ambas relacionadas com o processo de aprendizagem. A aprendizagem está intimamente envolvida com os processos de consolidação e reconsolidação. A consolidação é o processo pelo qual a informação adquirida é estabilizada para ser armazenada como uma memória de longa duração, que dependente da síntese proteica. Inicialmente, as memórias recém adquiridas, se encontram em um estado lábil. Com o tempo, inicia-se o processo de consolidação com a ativação da cascata molecular responsável pela formação da memória a longo prazo.
Um dos fatores mais importantes nesse processo, é o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), pois permite o fortalecimento de sinapses e neurogêneses hipocampais que participam do armazenamento da memória. Entretanto, apesar de estáveis, as memórias consolidadas são mutáveis, sendo vulneráveis a interferências farmacológicas ou comportamentais, exigindo uma fase de reconsolidação para sua manutenção. O processo de reconsolidação se caracteriza por permitir que uma memória previamente armazenada em um processo de consolidação inicial seja modificada e fortalecida a partir da incorporação de novas informações. Nesse processo, o BDNF sintetizados nos neurônios hipocampais promovem a Long-Term Depression (LTD) nas sinapses além de modular a proteína kinase C zeta (PKMζ) responsável por manter Long-Term Potentiation sináptica (LTP) tardia. Todo esse processo sustenta o armazenamento de memória de longo prazo e promove a plasticidade sináptica. Além disso, a ação do BDNF sobre o PKMζ regula o tráfego AMPAR em densidades pós-sinápticas no hipocampo dorsal para atualizar o traço de memória reativada durante a reconsolidação.Também, o glutamato, neurotransmissor envolvido no processo de aprendizagem, pode desempenhar um papel importante na plasticidade sináptica durante a reconsolidação, já que o BDNF também facilita a sua liberação no hipocampo durante esse processo (Imagem abaixo). Dessa forma, o comprometimento da sinalização do BDNF envolvendo o PKMζ no hipocampo pode ser responsável pela interrupção do processo de reconsolidação, causando a extinção da memória sendo este o principal sinal encontrado em doenças neurodegenerativas como na doença de Alzheimer (DA). Para esses casos, na tentativa de restabelecer a funcionalidade dessas vias durante a reconsolidação, algumas terapias farmacológicas e não farmacológicas são utilizadas. Fármacos como antidepressivos atuam como reguladores positivos dos níveis de BDNF em sua administração crônica. No entanto, os efeitos do tratamento tendem a diminuir com o tempo e também, podem ocorrer efeitos secundários, como o aumento da toxicidade. Já a respeito a métodos não farmacológicos, técnicas de neuromodulação como a estimulação transcraniana por corrente contínua direta tem se destacado por ativar a sinalização do BDNF e provoca mecanismos semelhantes à PLD em ratos, além de melhorar as memórias episódicas e semânticas em pacientes com DA e outras demências.
Nesse contexto, existe a possibilidade que outras técnicas de eletroestimulação como a Estimulação Cerebral Profunda (Deep Brain Stimulation -DBS) possam apresentar um desempenho mais efetivo no processo de reconsolidação da memória. O DBS é uma técnica de neuromodulação invasiva na qual envolve uma cirurgia estereotáxica para o implante de microeletrodos intracerebrais que fornecem correntes elétricas para regiões específicas do cérebro (Imagem ao lado). Dessa forma, essa técnica tem o objetivo de modular a ativação de neurônios dessas áreas, oferecendo alta especificidade espacial e temporal em comparação às outras técnicas de neuromodulação, o que pode ser primordial para alterar os sistemas de memória prejudicados. No contexto eletrofisiológico, acredita-se que a DBS melhora a memória induzindo padrões oscilatórios semelhantes da mesma. Foi demonstrado que o DBS o córtex entorrinal em pacientes humanos poderia redefinir as oscilações teta e aumentar a estabilidade de fase no hipocampo, além de aumentar o acoplamento teta-gama, assim como suas sincronizações, sendo estas características eletrofisiológicas importantes encontradas na codificação bem-sucedida de novas memórias. Além disso, estudos mostraram que o uso de DBS de alta frequência no tálamo anterior, hipocampo e córtex pré-frontal medial (mPFC), é capaz de melhorar a memória de longo e curto prazo de roedores através do aumento da neurogênese no hipocampo. Já em relação ao BDNF, foi demonstrado seu aumento no hipocampo após DBS no mPFC, porém, em um modelo de depressão. Apesar de trabalhos terem demonstrado a melhora da memória de longo e curto prazo após a DBS, é escasso até a data trabalhos que avaliam nessas condições fatores relacionados com a plasticidade sináptica no processo de reconsolidação, como BDNF, PKMζ e alguns receptores de glutamato.
Sabendo da importância da reconsolidação da memória na aprendizagem e no processo ontológico de muitas doenças associadas a distúrbios de memória e das falhas adversas dos seus atuais tratamentos farmacológicos a longo prazo, é imprescindível a busca novos métodos terapêuticos mais eficazes. As grandes vantagens demonstradas pelo DBS e seus efeitos pró-cognitivos relacionados à potencialização da memória em distúrbios, pode se tornar uma alternativa promissora, se fazendo imprescindível a sua investigação para o avanço das técnicas terapêuticas.
Abaixo, também preparamos uma playlist especial sobre o assunto para você:
Referências:
GONZALEZ, M. C.; RADISKE, A.; CAMMAROTA, M. On the involvement of bdnf signaling in memory reconsolidation. Frontiers in Cellular Neuroscience, Frontiers, v. 13, p. 383, 2019.
Tan, Shawn Zheng Kai, et al. "The Paradoxical Effect of Deep Brain Stimulation on Memory." Aging and disease 11.1 (2020): 179.
RADISKE, A.; ROSSATO, J. I.; GONZALEZ, M. C.; KÖHLER, C. A.; BEVILAQUA, L. R.; CAMMAROTA, M. Bdnf controls object recognition memory reconsolidation. Neurobiology of learning and memory, Elsevier, v. 142, p. 79–84, 2017. 1.
ROSSATO, J. I.; BEVILAQUA, L. R.; MYSKIW, J. C.; MEDINA, J. H.; IZQUIERDO, I.; CAMMAROTA, M. On the role of hippocampal protein synthesis in the consolidation and reconsolidation of object recognition memory. Learning & Memory, Cold Spring Harbor Lab, v. 14, n. 1-2, p. 36–46, 2007. 1.
ROSSATO, J. I.; GONZALEZ, M. C.; RADISKE, A.; APOLINÁRIO, G.; CONDE OCAZIONEZ, S.; BEVILAQUA, L. R.; CAMMAROTA, M. PkmZ inhibition disrupts reconsolidation and erases object recognition memory. Journal of Neuroscience, Soc Neuroscience, v. 39, n. 10, p. 1828–1841, 2019.
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