População de neurônios crítica para a discriminação de estados emocionais

Tuesday, 30 de June de 2020

Eu adoro estudar a forma como as emoções influenciam o nosso comportamento. De longe, não há nada de trivial em reconhecer como e quando estamos sob a influência de uma emoção. Muitas vezes, ela se apresenta apenas como a sensação de querer se aproximar ou se afastar de algo, o que certamente é bem diferente dos sentimentos que às vezes as acompanham. Você deve pensar: poxa, mas é tão fácil saber quando estou feliz, ou quando estou triste. E isso se deve ao fato de você estar pensando em sentimentos, não em emoções propriamente ditas.

Na neurociência existe uma distinção entre os conceitos de sentimento e emoção. Emoções são respostas físicas provocadas diante de algum estímulo. Sentimento é a percepção consciente que temos dessas sensações. Assim sendo, se você tem medo de aranhas, ao ser confrontada com a ideia de uma aranha perto de você, provavelmente seu corpo disparará automaticamente reações de luta ou fuga, que incluem alterações na pressão arterial, sudorese, às vezes náusea, tremores... essas respostas do corpo caracterizam a emoção. O medo que você sente, a forma como você experiencia isso mentalmente, é o sentimento. Mas nem sempre temos consciência de nossos estados emocionais. Como eu disse anteriormente, às vezes a emoção se manifesta apenas como uma influência sutil no sentido de te afastar ou aproximar de algo.

É fascinante que nosso cérebro seja capaz de produzir diferentes emoções. Elas guiam o comportamento de forma que o processo evolutivo nos trouxe até aqui, sendo extremamente úteis para os animais em sua luta pela sobrevivência e legado genético para as próximas gerações. Podemos até entender o sistema nervoso central como uma parte da evolução responsável pela coordenação do movimento dos corpos de animais – e em última instância, de seu comportamento. E as emoções constituem uma ferramenta extremamente eficaz em direcionar esse comportamento.

Não é à toa que entender como os outros se sentem é crucial para que possamos construir relações sociais, o que pode não ser nada fácil, uma vez que as emoções são experiências introspectivas e as pessoas são capazes de aprender a esconder seus estados afetivos do resto do mundo. Ainda assim, no geral, somos bons em reconhecer diferentes estados emocionais nas outras pessoas. Qual seria então o mecanismo no cérebro que nos ajuda nessa tarefa?

Muitas partes do cérebro estão relacionadas com a produção de emoções e com o processamento de informações cruciais para o comportamento social. De especial importância, os estudos de imageamento cerebral (com técnicas como NIRS, fMRI, e EEG) têm destacado o papel do Córtex pré-frontal medial (mPFC) e sua modulação do sistema límbico para a discriminação de estados emocionais, especificamente – inclusive, lesões nessa região do cérebro geram déficit de reconhecimento e discriminação de emoções em humanos. Mas os mecanismos moleculares precisos de como essa modulação se dá necessitam de outras técnicas para serem investigados.

Para investigar este problema, Scheggia e colaboradores testaram ratinhos para saber se eles eram capazes de discriminar diferentes estados afetivos entre seus pares. O grupo conseguiu mostrar que os animais testados eram sim capazes de discriminar estados emocionais, e que a comunicação olfativa, através de feromônios desempenha um papel importante nesta tarefa para os roedores. Em seguida, observaram também que o mPFC tinha sua atividade alterada durante a tarefa, achado que vai de acordo com o que temos na literatura referente ao comportamento em humanos. Eles então classificaram a atividade do mPFC de acordo com a forma dos disparos de dois tipos de células diferentes: os “narrow-spike neurons”, provavelmente interneurônios inibitórios; e os “wide-spike neurons”, provavelmente células piramidais excitatórias. Os neurônios inibitórios se mostraram particularmente sensíveis, sendo mais responsivos durante a discriminação emocional.

Neste artigo publicado em nosso blog anteriormente, foi discutido o papel de interneurônios que expressam VIP (peptídeo vasointestinal), somatostatina e parvalbumina na amígdala, que também está envolvida com reconhecimento emocional e formação de memórias afetivas. Neurônios inibitórios do mPFC também expressam somatostatina e parvalbumina. A inibição da parvalbumina através de técnicas optogenéticas foi estudada pelo grupo conduzindo este estudo, e foi observado que não houve prejuízo na capacidade de discriminação emocional dos ratinhos através desta manipulação. Por outro lado, os animais exibiram menos tendências a socializar, sugerindo que a parvalbumina seria importante na socialização, mas não crucial para a discriminação afetiva. Já a inibição dos interneurônios que expressam a somatostatina (SOM) exibiram o efeito contrário, sendo bons candidatos a desempenhar um papel importante na discriminação de estados emocionais. Mais que isso, ao induzir a atividade destes neurônios quando um animal era exposto a outros dois animais em um estado afetivo neutro, o animal sendo testado exibia comportamentos que indicavam a exploração de discriminação emocional – mesmo na ausência de contexto para tal.

Podemos pensar então em um circuito no mPFC relacionado com a discriminação emocional e uma tendência de se afastar ou se aproximar de alguém: um estímulo favorável (um odor característico, no caso dos nossos ratinhos) dispararia a atividade de neurônios que expressam somatostatina, inibindo a atividade dos interneurônios de parvalbumina que quando ativos, inibem os neurônios piramidais que se comunicam com o sistema límbico, promovendo a resposta de medo social, ou, simplesmente, diminuindo a tendência exploratória nos animais. Sendo assim, a inibição dos interneurônios de parvalbumina gera uma desinibição dos neurônios piramidais, promovendo o comportamento exploratório pró-socialização.

Ainda é muito cedo para dizer se e como estes mecanismos afetam as relações humanas. Mas aqui já mora um ótimo começo para fundamentar essa investigação. Estudos futuros devem elucidar melhor o papel do mPFC na discriminação de estados afetivos e de nossas tendências de nos aproximar de pessoas – e consequentemente explicar porque nos aproximamos delas – ou de nos afastar delas – como daquele tio que faz a piada do pavê.

 

Fontes:

Scheggia, D. et al. Nat. Neurosci. https://doi.org/10.1038/s41593- 019-0551-8 (2019)

Sterley, T., Bains, J.S. SOM cells are better at detecting emotion. Nat Neurosci 23, 3–4 (2020). https://doi.org/10.1038/s41593-019-0557-2

The content published here is the exclusive responsibility of the authors.

Autor:

Diego Aquino

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