Olmeca: cultura, comportamento, epigenética e competências socioemocionais.

Friday, 22 de July de 2022



     Sabemos que a ciência pode ser apresentada de diferentes formas no intuito de oferecer uma melhor compreensão sobre o assunto ou abordado para diferentes tipos de leitores. A principal ferramenta utilizada para isso é a  comunicação científica, que possui um grande impacto social. Nesse contexto, a Brain Support criou vários mascotes que tentam transmitir assuntos relacionados à neurociência de forma mais lúdica, divertida e de fácil entendimento por meio de blogs, memes, vídeos e desenhos experimentais. São nossos mascotes: Brainlly, Olmeca, Iam, Yagé e Math. Cada um desses mascotes possui uma representação científica, abrangendo diferentes campos da neurociência. Aqui, vamos falar um pouco da Olmeca e de sua relação com a cultura, epigenética, comportamento e competências socioemocionais.
 
A olmeca é uma garotinha bastante inteligente que gosta muito de ciência e tecnologia e que representa nossa cultura latino americana da melhor forma possível, baseada em nossos ancestrais. A Olmeca representa a civilização Olmeca que estiveram na origem da antiga cultura pré-colombiana, sendo a primeira civilização da Mesoamérica e que se desenvolveram nas regiões do centro-sul do atual México durante o período pré-clássico. Uma cultura rica em diversas áreas humanas, inclusive na ciência, onde desenvolveram sua própria escrita, matemática e calendário. Apesar do seu nome fazer uma forte referência a esse povo,essa garotinha também veio representar todas as nossas civilizações existententes aqui desde o período pré-colonial, como os Incas, Maias e astecas por exemplo, visto a necessidade de atribuir um maior fator cultural latino americano a neurociência levando em consideração a predominância de aspectos eurocêntricos relacionados a essa área. Dessa forma, a cultura se torna uma ferramenta importante para o estudo do comportamento e competências humanas.

 Estamos inseridos em uma sociedade fortemente multicultural em todas as partes do mundo. A cultura acaba moldando o indivíduo que está imerso nela, podendo traçar desde sua personalidade até os valores éticos e morais de um indivíduo (Cognição individual), além de está intimamente relacionado com o processo de formação de uma Cognição Social. Nesse contexto, surge a Neuroantropologia, que é o estudo do sistema nervoso e a sua interação na cultura e do comportamento humano, tendo como principal objetivo compreender a relação dos sistemas sociais e culturais das pessoas com suas formações biológicas cerebrais que impactam em sua cognição. A olmeca sempre tenta trazer conceitos neuro antropológicos para explicar fenômenos fisiológicos associados ao comportamento de um indivíduo em um contexto social. O comportamento humano é muito complexo e é resultado de uma variedade de fatores. Um comportamento específico, pode ser definido a partir de fatores genéticos (dependendo da expressividade ou não de um gene responsável por um comportamento inato), de fatores ambientais (relacionado com aprendizagem ao longo da vida) ou fatores relacionados a ambos (como é o caso da epigenética, onde fatores ambientais influenciam fenótipos do comportamento). Aqui, vamos discutir um pouco sobre cada um desses fatores e de como a olmeca pode trazer informações importantes para o desenvolvimento de nossos aspectos cognitivo,sociais, culturais e cognitivos a partir de competências socioemocionais. 


Fatores genéticos

Os fatores genéticos relacionados ao comportamento estão intimamente ligados com comportamentos inatos. O comportamento inato são aqueles geneticamente programados e podem ser realizados sem qualquer experiência prévia ou treinamento, ou seja, são realizados desde o primeiro estímulo apresentado, por exemplo, reflexo de sucção de bebês quando a mãe coloca o peito em sua boca. A base neural por trás desse comportamento é modulada a nível medular a partir do recebimento de estímulos aferentes sensoriais, não sendo observado envolvimento de centros superiores do sistema nervoso central no momento dessa resposta. Dessa forma, esse tipo de comportamento já é predestinado geneticamente e pode ou não perdurar por toda vida do indivíduo. 



Fatores ambientais

Os fatores ambientais interligados ao comportamento possuem relação com a cultura e meio social em que um indivíduo está inserido. Trabalhos mostram que  fatores ambientais externos podem definir o que uma criança pode tornar-se quando adulta. Além disso, trabalhos realizados com EEGfNIRS e fMRI mostram por exemplo que crianças que viveram uma infância em uma família com condição socioeconômica baixa apresentaram alterações prejudiciais cerebrais funcionais e estruturais. Outros estudos também mostraram que a neuromodulação no córtex pré-frontal pode influenciar na tomada de decisão e no comportamento social. Além disso, sabemos que 0 aos 11 anos, o cérebro da criança pode chegar a possuir o dobro de sinapses do cérebro adulto (principalmente em 12 meses após o nascimento), sendo uma fase na qual aprendemos com mais facilidade, ao mesmo tempo em que temos uma grande dificuldade de estabilizar nossas emoções. Geralmente é nessa fase em que a cultura age de forma mais intensa sobre o processo de formação do indivíduo como um ser social e de seus preconceitos.


Fatores epigenéticos 
 
   Já os fatores epigenéticos estão relacionados  com a interação entre a genética e o ambiente na formação de um fenótipo. Aqui vamos discutir apenas sobre a neuroepigenética e como isso pode impactar na cognição e comportamento. A neuroepigenética é o estudo de como as alterações epigenéticas estão relacionadas ao sistema nervoso, interferindo em seu funcionamento a nível fisiológico e comportamental.  Existem várias formas de se modificar a expressão dos genes sem modificar o sequenciamento de do DNA, como a metilação, modificações nas histonas e RNAs não codificantes. A metilação é um processo epigenético pelo qual ocorre a adição de grupo metil em áreas específicas do DNA, na qual atenuam a expressão gênica pela inibição da transcrição naquela área. Na maioria das vezes, ocorre a metilação da base nitrogenada  citosina presente na cadeia do DNA pela ação da enzima metiltransferase, onde a adição do grupo metil ocupa os sítios de ligação de ativadores da transcrição, impedindo que que ocorra a transcrição do DNA naquela região específica, e consequentemente a expressão do gene. Já em relação às modificações das histonas, esse fenômeno acontece quando as histonas, que são proteínas com carga positiva que se associam ao DNA, mudam seu grau de acetilação, podendo compactar mais ou menos o material genético, o que pode alterar sua expressão.  O aumento da acetilação de histonas, por exemplo, deixa as fitas de DNA que estão "enroladas" nessas proteínas mais livres, fazendo com que que fatores de transcrição possam acessar o DNA da região favorecendo a expressão daquele gene específico. O contrário acontece com a diminuição da acetilação, dificultando a expressão genética.  Outro tipo de modificação da expressão genética sem alterar a sequência do DNA são os RNAs não codificantes, que induzem alterações nos processos transcricionais e pós- transcricionais através das RNAs interferentes (siRNA), além de participar da formação da heterocromatina e estabilidade genômica. Todos esses três tipos de mecanismos epigenéticos são importantes para garantir a para interação genoma-ambiente, que podem gerar uma mudanças fenotípicas adaptativas a longo prazo que podem ser transmitidas aos descendentes. Sabendo de tudo isso, quais repercussões cognitivas que esses mecanismos epigenéticos podem trazer? Um exemplo disso é a importancia do  mecanismo epigenético no processo de aprendizagem.  Sabe-se que após a obtenção de uma informação, o cérebro transmite-a para áreas específicas que dependem da síntese proteica para armazenar essa informação como uma memória. Como sabemos, existe um mecanismos genético envolvendo DNA e RNAs por trás da síntese proteica,  é aí que a epigenética pode atuar dependendo dos estímulos ambientais recebidos através de inibidores  da síntese protéica ou indução da a fosforilação do CREB e da apoptose neuronal. Outro exemplo agora no âmbito social foram trabalhos realizados com humanos que definiram marcadores epigenéticos socioeconômicos e de estilo de vida, onde foi encontrado maior metilação de DNA em pessoas mais pobres. Outro trabalho realizado nos Estados Unidos mostrou uma diferença epigenética relacionada à saúde cardiovascular de pessoas negras e brancas. Para ambos os casos, dependendo da fonte midiática ou do grupo social/racial envolvido, esses resultados podem intensificar uma justificativa racista ou classista, podendo aumentar a disparidade social e racial.
 
Visto todos esses fatores envolvidos no processo de desenvolvimento da cognição humana, vimos que o ambiente em que estamos inseridos socialmente é o principal componente em comum de todos esses mecanismos. Sabendo dessa grande importância das influências ambientais na formação cognitiva comportamental de um indivíduo, a olmeca traz  o conceito de competências socioemocionais humanas, que  são as capacidades individuais que se manifestam nos modos comportamentais de pensar (processar), sentir e gerar atitudes a partir de estímulos ambientais sociais, ou seja,  é padrão frequente de ação e reação frente a estímulos de ordem pessoal e social. Dessa forma, é importante desenvolvermos o máximo durante a infância de um indivíduo suas competências socioemocionais visando a potencialização de aspectos nos âmbitos cognitivo, social, emocional, cultural, entre outros. Considerando a importância de determinadas habilidades a serem desenvolvidas no meio educativo, adotamos um modelo que define doze competências humanas socioemocionais, sendo elas: executivas, jurídicas, legislativa, democrática, laica, feeling, de direito, amabilidade, autogestão, resiliência, abertura ao novo e consciência. Dessa forma, tentando trabalhar o desenvolvimento da cognição humana de uma forma mais neutra utilizando a neuroantropologia e as competências socioemocionais, é imprescindível o desenvolvimento de estudos na área que favoreçam  o surgimento de novas abordagens educativas.
 
 
Desenho experimental
 
Visto a importância do desenvolvimento de competências socioemocionais durante o desenvolvimento infantojuvenil, é importante desenvolver trabalhos envolvendo possíveis alterações de padrões cerebrais (EEG e fNIRS) e melhora de tais competências durante essa fase  da vida em diferentes populações, tendo em vista a influência epigenética de diferentes sociedades culturais. Dessa forma vamos sugerir aqui um esboço de desenho experimental. Estudos anteriores revelaram diferenças significativas no desempenho em testes cognitivos não dependentes de linguagem em contextos internacionais entre indivíduos mais jovens, com diferenças menos pronunciadas evidentes entre indivíduos mais velhos (>54 anos de idade). Outros trabalhos também mostraram que em crianças suíças foi encontrados valores mais fortes de potência da banda delta nas áreas frontais mesiais e valores de potência mais fortes em três das quatro bandas de frequência nas áreas occipitais. Para crianças da Arábia Saudita, foi mostrado um poder de banda alfa mais forte sobre o córtex sensório-motor. Visto isso, é imprescindível a investigação dos padrões cerebrais eletrofisiológicos (EEG) e hemodinâmicos dos grupos (NIRS). Visando avaliar o desenvolvimento das competências, seria interessante desenvolver um protocolo de implementação do conhecimento e aprendizagem por meio da apresentação de conteúdos educativos inovadores, que possam oferecer o máximo de estímulo a essas crianças. É importante que o conteúdo educativo inovador utilizado se mostre livre de preconceitos estabelecidos pela sociedade em que a criança vive, sempre prezando a idéia de que a moral e os valores éticos são fatores variantes e abrangentes, como já comentamos aqui. Para isso, pode ser oferecido conteúdo de ampla gama cultural, política e social, como informações nesse contexto de outras sociedades do mundo atual ou até mesmo histórias de outras civilizações presentes na américa latina antes do período colonial, por exemplo, tudo de forma mais lúdica e interativa possível de acordo com o estágio de compreensão e faixa etária da criança. Além disso, considerar pelo menos 3 grupos de crianças de diferentes culturas e sociedades distintas a fim de investigar as possíveis influências genéticas sobre o protocolo de conteúdos educativos. Também é importante considerar crianças de 5 e 12 anos, pois essa é a idade que se inicia a poda neural. Dessa forma, as crianças de dois meios culturais e de localizações geográficas diferentes (crianças A, B e C) poderiam ser alocadas em 6 grupos distintos: grupo 1 (Crianças A sem conteúdos educativos inovadores), grupo 2 (Crianças A com conteúdos educativos inovadores), grupo 3 (Crianças B com conteúdos educativos inovadores), grupo 4 (Crianças B sem conteúdos educativos inovadores), grupo 5 (Crianças C com conteúdos educativos inovadores), grupo 6 (Crianças C sem conteúdos educativos inovadores).  As avaliações de EEG/NIRS  podem ser realizadas antes e depois da intervenção educativa juntamente com avaliação cognitiva e de competências socioemocionais (Figura abaixo).
 



Referências:
 
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Autor:

Rodrigo Oliveira

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