Muitos estudos têm demonstrado efeitos positivos da psicoterapia. Seja quando nossa vida anda bem ou quando as coisas saem do nosso controle e nossa mente sofre, o processo terapêutico nos é de grande valia. No entanto, a forma como a psicoterapia age no cérebro dos pacientes ainda é pouco compreendida.
Na neurociência, entendemos que mudanças de comportamento e de atitudes devem estar relacionadas a mudanças na forma como o cérebro de um indivíduo processa informações. Nossa personalidade, nossas histórias de vida e nossas formas de reagir a determinadas situações ficam todas guardadas em nossas memórias, e acredita-se que elas estejam distribuídas pelas conexões entre populações de neurônios do cérebro, e o padrão de ativação dessas redes as codifica para que possam ser evocadas mais tarde, quando necessário. Além disso, em diversas condições psiquiátricas, como a ansiedade, a depressão e o estresse pós-traumático, podemos encontrar diferenças no cérebro destes pacientes, em sua química, estrutura ou funcionamento de certas circuitarias neuronais.
Por isso, é interessante que aprofundemos nosso conhecimento na forma como a psicoterapia influencia os padrões de conectividade e a atividade geral do encéfalo ao longo de um tratamento. A fim de compreender essas questões, Tamaki Amano e Motomi Toichi, da Universidade de Kyoto, no Japão, realizaram um estudo que foi publicado na Nature Neuroscience em 2016, utilizando uma técnica conhecida como NIRS para registrar a atividade funcional de pacientes com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD, na sigla em inglês) durante sessões de psicoterapia.
O PTSD é um modelo interessante para o estudo dos efeitos da psicoterapia por conta da facilidade de seu diagnóstico (marcado principalmente por sintomas como flashbacks, excitação emocional (arousal) e pesadelos) e determinação de sua causa. Além disso, já existe uma literatura consistente no assunto, apontando que o PTSD teria relação com alteração no funcionamento em estruturas límbicas, paralímbicas e pré-frontais do cérebro destes pacientes. Ainda assim, o estudo de efeitos de psicoterapia sobre o cérebro são difíceis de conduzir, devido à natureza diversa das abordagens terapêuticas e seus métodos muitas vezes não protocolados, e também à natureza da forma como as mudanças vão ocorrendo no indivíduo, que muitas vezes demoram mais do que alguns dias para acontecer.
Apesar dessas limitações, o estudo se concentrou em utilizar um paradigma para tratamento de PTSD conhecido como EMDR (de eye movement desensitisation and reprocessing), uma técnica terapêutica que consiste de 8 fases bem delimitadas e que costuma extinguir os sintomas de PTSD muito rapidamente (geralmente 1 sessão é suficiente). Concomitantemente, a atividade cerebral de regiões de interesse como o córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC), o córtex orbitofrontal lateral (OFC) e o sulco temporal superior (STS) foi monitorada.
Como resultados, a dupla verificou que a abordagem terapêutica foi eficaz para todos os sete participantes do estudo. Isso é importante, porque as alterações na dinâmica da atividade cerebral durante a sessão devem refletir de alguma forma o mecanismo cerebral por trás deste procedimento terapêutico. A atividade cerebral nas regiões de interesse também foi modulada de acordo com o progresso da sessão, tendo sua atividade diminuída ao longo do tempo. Com exceção do STS, a atividade do DLPFC e do OFC se mostrou sincronizada com mudanças na taxa de batimentos cardíacos dos participantes, que também estava sendo monitorada. Isso indica que essas respostas autônomas sincronizadas à atividade dessas regiões cerebrais devem refletir experiências emocionais. Além disso, quando comparamos a atividade cerebral pós-intervenção terapêutica com a do momento de evocação da memória traumática, verificamos que o STS direito tem sua atividade significativamente reduzida, e que o OFC esquerdo mostra uma tendência no mesmo sentido, indicando uma possível normalização sobre a hiperativação destas áreas durante a lembrança dos eventos traumáticos.
Estudos anteriores indicam que o STS direito pode estar relacionado com a vivacidade da lembrança de eventos desagradáveis. Geralmente o processamento emocional e visual são lateralizados nos indivíduos, o que abre espaço para que novos estudos sejam realizados para tentar entender se o STS esquerdo também desempenha um papel nesta mesma função, em outros indivíduos. Já o OFC tem sido relacionado com a produção de experiências e estados emocionais. O aumento em sua atividade foi interpretado pelos autores do estudo como relacionado à experiência emocional negativa ligada às experiências traumáticas.
Por outro lado, como a amígdala é uma região classicamente ligada ao condicionamento de respostas de medo, e o PTSD é uma forma deste tipo de condicionamento, seu papel na abordagem terapêutica precisa ser melhor estudado, também. O presente estudo não foi capaz de observar a atividade na amígdala e em outras estruturas límbicas, uma vez que uma das limitações do NIRS é sua restrição ao estudo de regiões corticais – e essas estruturas límbicas seriam subcorticais. Para melhor compreensão de como este circuito como um todo funciona, outras técnicas de imageamento funcional podem ser aplicadas, com uma resolução espacial melhor, como fMRI. No entanto, estudos como o que discutimos aqui oferecem grande insight sobre o funcionamento da nossa mente em ambientes mais próximos ao que experenciamos em nossa rotina, diferente de estudos de fMRI, que possuem setups claramente laboratoriais.
Fonte: Amano, T., Toichi, M. Possible neural mechanisms of psychotherapy for trauma-related symptoms: cerebral responses to the neuropsychological treatment of post-traumatic stress disorder model individuals. Sci Rep 6, 34610 (2016). https://doi.org/10.1038/srep34610
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