As principais causas de morte em acidentes de trânsito nas rodovias são a sonolência e a fadiga dos motoristas. Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego ABRAMET, 42% dos acidentes nas estradas brasileiras ocorrem devido a sonolência, e outros 18% ao cansaço de quem está no volante. Juntas, as duas causas somam mais de 60% das ocorrências. No mundo, essa tendência também costuma a causar preocupação aos governos. A fundação para segurança de tráfego norte-americana divulgou, em 2010, que 16,5% dos acidentes de trânsito fatais ocorridos entre 1999 e 2008 se deram pela sonolência ao volante.
Do ponto de vista da neurociência, a sonolência e o cansaço são duas condições distintas. O cansaço está relacionado com um processo cumulativo que, aos poucos, diminui a nossa capacidade de alerta. Já durante a sonolência, experenciamos flutuações rápidas em nossa capacidade de alerta durante um período de alguns segundos. Durante esses episódios de flutuação do alerta, passamos por um momento de “microsleep”, caracterizado pela perda da atenção. Como você deve imaginar, nestes momentos nossa capacidade de reagir a estímulos inesperados diminui consideravelmente, o que aumenta a chance de sofrermos um acidente.
Seria possível detectar estes episódios de microsleep que dão início o ato de dormir? Essa é a pergunta que um grupo de cientistas coreanos tentou responder, e que é tema deste nosso blog de hoje. Muitos métodos estão disponíveis para o estudo de estados mentais como a sonolência. Dentre os fisiológicos, podemos destacar o eletroencefalograma (EEG), o rastreamento ocular por EOG, o monitoramento da frequência cardíaca (ECG) ou da atividade muscular (EMG). De especial interesse, podemos destacar o EEG para estudos de sono, por sua alta resolução temporal, sua portabilidade e bom custo-benefício. Através dele, é possível medir a atividade cerebral através do registro da atividade elétrica no escalpo dos indivíduos. Isso faz do EEG uma técnica poderosa e não-invasiva para o estudo da cognição humana, e explica sua tamanha popularidade na neurociência.
Além disso, uma outra técnica tem chamado a atenção de pesquisadores nos últimos anos: o NIRS. No nosso blog, já falamos bastante sobre como essa técnica funciona, então se você tiver curiosidade pode encontrar mais informações aqui. Resumidamente, com NIRS é possível fazer imagens funcionais do encéfalo, através da medição da flutuação dos níveis de oxigênio ligado às hemoglobinas no tecido cerebral. A premissa básica para interpretação dos resultados é de que um maior consumo de oxigênio por uma região do cérebro está relacionado com uma maior atividade daquela área.
Uma estratégia que tem se tornado cada vez mais comum nos laboratórios é a junção da aquisição de sinais de EEG e NIRS, que, juntos, possuem maior poder de detecção e classificação de estados mentais do que isoladamente. Inclusive, essa foi a tática adotada pelo grupo de pesquisadores coreanos que mencionamos anteriormente. Eles combinaram EEG e NIRS enquanto os participantes do estudo dirigiam em um simulador virtual, em condições normais e de sonolência, e então, procuraram por sinais que pudessem caracterizar os dois estados.
Como resultados do EEG, os autores observaram uma diminuição da potência de ondas de alta frequência (beta e gama) e aumento na potência de ondas cerebrais de baixa frequência (delta, teta e alfa) em motoristas sonolentos, quando comparados à condição de normalidade. Com NIRS, eles foram capazes de verificar uma mudança drástica no consumo de oxigênio em regiões pré-frontais logo antes do primeiro fechar de olhos característico da transição de um estado “acordado” para um estado de sonolência. Combinando estes dois resultados, os pesquisadores conseguiram obter um índice que prediz com maior acurácia o estado em que os indivíduos se encontram, do que quando as técnicas são utilizadas separadamente.
Apesar dos achados promissores, ainda há um longo caminho a se percorrer no desenvolvimento dessas tecnologias para que elas possam ser usadas em situações de trânsito da vida real. Desde a análise dos dados, que no estudo não foi feita em tempo real – e que constitui um desafio por si só – até a portabilidade e custo destes equipamentos para este tipo de aplicação, existe um universo inteiro de pesquisa. Será que, em um futuro próximo, teremos dispositivos que nos dizem, a despeito de nossa teimosia, que é hora de fazer uma pausa nas tarefas para uma soneca – afinal, você já está dormindo mesmo?!
Fonte: Nguyen, T., Ahn, S., Jang, H. et al. Utilization of a combined EEG/NIRS system to predict driver drowsiness. Sci Rep 7, 43933 (2017). https://doi.org/10.1038/srep43933
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