Maioridade penal: a necessidade de um debate amplo

Tuesday, 02 de June de 2020
O debate em torno da maioridade penal é repleto de polêmicas e argumentos com fundamentações frágeis. Essa discussão ganhou força nos últimos anos, em vista da visibilidade dada ao crescente número de adolescentes presos por envolvidos no crime organizado, tráfico de drogas e/ou crimes violentos, que têm impulsionado o debate e pressão políticas pela diminuição da maioridade penal. Nesse sentido, criou-se e alimentou-se um senso comum de que adolescentes abaixo de 18 anos cometem muitos crimes bárbaros, como homicídios e latrocínios. No entanto, alguns pontos precisam ser destacado sobre nesse debate: o sensacionalismo que há sobre o tema e que impulsiona a criação de um senso comum baseado em distorção da realidade; os interesses por trás da diminuição da maioridade penal; o desconhecimento dos dados reais sobre criminalidade e motivos de reclusão de menores; e a notória ausência do conhecimento científico no referido debate.

Um dos principais argumentos utilizados pelos políticos e instituições que defendem a redução da maioridade penal é o crescente cometimento de crimes violentos por menores. De fato, há um crescente número de menores sendo apreendidos ao longo dos últimos 20 anos. De acordo com o 12º Anuário Brasileiro de segurança púbica, entre 1996 e 2016, o número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas mais do que sextuplicou. Dentre as maiores motivações para as apreensões está o roubo (46,6%), seguido do tráfico de drogas (22,5%).  De acordo com instituto “Sou da Paz”, se considerarmos a realidade de estado de São Paulo (Brasil), apenas 1,6% dos jovens apreendidos no ano de 2018 cometeram crimes violentos, como latrocínios, homicídios, sequestro ou estupro. A pesquisa revela, ainda, que mais da metade das apreensões foi motivada por tráfico de drogas (51,5%). Considerando esses, dados, uma das principais motivações apresentadas em defesa da maioridade penal parece frágil.

Além dos dados carcerários, é importante que se leve em consideração os aspectos psicológicos, biológicos e sociais ao qual esse debate está imerso. Como já vimos anteriormente, o processo de maturação cerebral é contínuo ao longo de muitos anos de vida. Nesse contexto, o principal debate está em torno das regiões cerebrais em se concentram as habilidades cognitivas responsáveis pelas tomadas de decisão, como é o caso da região frontal. Além disso, o próprio desenvolvimento da inteligência parece estar associado a espessura cerebral . Outros estudos vêm mostrando que o cérebro humano difere em tamanho e conectividade ao longo das idades. Esses achados implicam dizer que a maturidade social também é diferente ao longo das idades.


Fonte: Doi: 10.1038/nature04513

Nesse contexto, diminuição da maioridade penal, em termos práticos, significaria responsabilizar indivíduos que ainda estão em fases ainda mais prematuras de desenvolvimento cerebral e não necessariamente estaria ligado a diminuição da violência. Vale ressaltar, ainda, que em países com alto grau de desigualdades sociais, essas diferenças maturais tende a ser alavancadas pela notável diferença existente ligada ao acesso a bens essenciais como saneamento básico, alimentação saudável e educação de qualidade. Por fim, a “escolha” por caminhos menos “inteligentes”, como a violência, é o reflexo da impossibilidade imposta pelo sistema de acessar melhores condições de vida e das escolhas feitas por terceiros para guiar os destinos dos mais (ainda) imaturos.
 
Referências:

Fórum Nacional de Segurança Pública (2018). 12º Anuário Brasileiro de Segurança Púbica. forumseguranca.org.br
Instituto Sou da Paz (2019). Soudapaz.org.
Greenstein et al. (2006). Intellectual ability and cortical development in children and adolescents. Nature. Doi: 10.1038/nature04513

The content published here is the exclusive responsibility of the authors.

Autor: Heloiana Karoliny Campos Faro
#formri #neuropolitics #humancompetence #socialpreferences #formri #neuropolitics #humancompetence #socialpreferences