Impacto do status socioeconômico na estrutura cerebral e habilidade cognitiva

Tuesday, 25 de August de 2020

Vivemos em uma sociedade onde as pessoas têm diferentes níveis de acesso a recursos como educação, saúde, alimentos e bens de consumo. Essas diferenças são representadas em termos de níveis socioeconômicos e têm sido objeto de estudo de disciplinas como a sociologia e a economia. Do ponto de vista da psicologia e da neurociência, o interesse por entender como essas diferenças econômicas e sociais afetam o cérebro e a cognição tem crescido vertiginosamente nos últimos anos. Apesar do crescente interesse, este é um campo de investigação muito recente, e ainda há muito ceticismo sobre como esse entendimento pode ser útil para direcionar a formulação e aplicação de políticas públicas. Mas a despeito de sua novidade, a neurociência tem se mostrado surpreendentemente útil, trazendo inovações para campos aparentemente com ela não relacionados, como a ética e o direito.

Atualmente, os pesquisadores têm focado seus esforços principalmente em compreender como diferenças no status socioeconômico (SES) se refletem em diferenças no substrato cerebral, ou em outras palavras, quais são seus correlatos neurais. Para isto, utiliza-se técnicas como a eletroencefalografia (EEG) e a ressonância magnética funcional (fMRI). Com elas, é possível estudar de maneira não invasiva a estrutura e o funcionamento de diferentes regiões cerebrais enquanto uma pessoa executa alguma tarefa, e o pesquisador controla qual variável deseja manipular para verificar se há diferenças comportamentais, estruturais ou cognitivas que se relacionam com esses diferentes perfis de participantes do estudo.

Em 2018, Martha Farah publicou um artigo na revista Nature, no qual ela sumariza os principais achados da neurociência relacionados a diferenças de SES entre as pessoas. Segundo sua pesquisa, há diferentes formas pelas quais o SES pode afetar a estrutura, função e organização do cérebro. Principalmente entre os grupos mais vulneráveis e de menor SES, as diferentes adversidades que as dificuldades econômicas e sociais que lhes são impostas geram diferentes tipos de estresse, de forma que situações relacionadas como o abuso e as institucionais se reflitam no cérebro deste grupo de maneiras diferentes.

Noble e seus colaboradores mostraram uma relação entre menores áreas corticais e menor SES. Essa diferença era mais proeminente em regiões temporo-frontais e na ínsula, importantes para a regulação emocional ligada ao estresse, além de outras inúmeras funções executivas que nos auxiliam a aprender novas habilidades e monitorar nossas funções cognitivas. Crianças são especialmente afetadas por um ambiente socioeconômico desfavorável, por estarem em uma fase crítica de desenvolvimento cerebral, e isso se reflete logo cedo na forma como seus cérebros processam informação. Se comparadas em tarefas de aritmética, por exemplo, crianças de baixo SES tendem a utilizar mais regiões do cérebro relacionadas a processamento visuoespacial (como o sulco intraparietal direito), enquanto crianças de SES mais alto se beneficiam mais do uso de regiões associadas à linguagem e performance verbal (como o giro medial temporal esquerdo).

Uma outra possibilidade de investigação neste campo de estudo é a relação entre SES e estruturas do cérebro ligados a transtornos psiquiátricos, como a depressão. Sem muito espanto, a relação entre SES e traços de personalidade ligados à depressão podem ser pelo menos parcialmente explicados por diferenças no volume de regiões do cérebro, como o córtex pré-frontal medial e o córtex cingulado anterior.

Dos breves resultados relatados aqui (entre diversos outros que você pode conferir no artigo de referência e aqui em nosso blog), fica claro que essas graves diferenças socioeconômicas afetam os indivíduos não somente a nível econômico e social, mas também psicobiológico. Este é um campo de investigação científica recente e desafiador, mas que pode trazer resultados que nos direcionam para políticas públicas de proteção para as populações mais vulneráveis. No futuro, mais técnicas como o NIRS e a estimulação cerebral por TMS/tDCS poderão revelar ainda mais detalhes sobre como o SES afeta o funcionamento cerebral e se há manipulações que podem ser feitas para pelo menos diminuir os efeitos negativos que ambientes de baixo SES exercem sobre a saúde do cérebro.

 

Referência: Farah, M.J. Socioeconomic status and the brain: prospects for neuroscience-informed policy. Nat Rev Neurosci 19, 428–438 (2018). https://doi.org/10.1038/s41583-018-0023-2

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Autor:

Nicolas Cesar Laur

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