Na nossa primeira conversa aqui, falei sobre o impacto das redes sociais em relação ao senso de imagem corporal de meninas durante a infância e a adolescência - recomendo sua leitura prévia para que o blog de hoje seja melhor assimilado. Em resumo, vimos que simultaneamente a todos os fatores externos que tornam a passagem da infância à puberdade (e posteriormente a vida adulta) uma experiência turbulenta ocorre também uma série de alterações do lado de dentro - os processos transitórios ocasionados pela maturação cerebral. Esse período crítico do desenvolvimento se traduz em uma cadeia de modificações na codificação neural - consequências da mielinização e da poda sináptica - e nas próprias estruturas cerebrais. Eu esclareci alguns detalhes dessas chamadas janelas de vulnerabilidade em dois blogs, que você pode conferir aqui (parte I e parte II).
Hoje, gostaria de compartilhar alguns dados extremamente relevantes que encontrei nas minhas buscas por um maior entendimento de questões que argumentam o gênero como fator determinante (ou ao menos agravante) de certas expressões da cognição e comportamento humano. Nessas pesquisas me deparei com múltiplos artigos [1][2][3] que indicavam, por exemplo, a ocorrência de depressão como sendo 2x maior em garotas quando comparada ao índice encontrado em garotos. No entanto, o significado dessa maior incidência não parecia muito claro. Foi então que me deparei com um artigo publicado em 2008 por Bearman e Stice [4] cujo objetivo era analisar a proposta de um modelo aditivo de gênero para o estudo da depressão, evidenciando assim os fatores de risco aos quais as meninas estariam exclusivamente expostas.
O estudo que teve a duração de 24 meses era composto por uma amostra de 247 meninas e 181 meninos, de 12 a 16 anos (média: 13.6 anos). Foram coletadas as informações de peso e altura (1x ano) e os participantes passaram a receber acompanhamento de uma equipe de assessores clínicos com formação em psicologia. Esse acompanhamento visava investigar a existência de fatores de risco como eventos estressores ao longo da vida (ex: divórcio entre os pais), afetividade negativa [5], suporte social, comportamentos externalizantes, insatisfação com o corpo, realização de dietas, internalização de ideais de imagem corporal, sintomas de bulimia e diagnóstico de depressão.
Esse modelo se baseava na atribuição de scores para os diferentes fatores de risco e eventos investigados - os scores formavam escalas que eram reexaminadas regularmente para que os resultados tivessem validade ao longo do período de estudo. Ao final da fase de coleta, os dados foram submetidos a uma análise e comparados àqueles observados no baseline (T1) e nos 2 anos seguintes (T2 e T3).
O artigo aponta que, conforme a hipótese inicial, a depressão parece cada vez mais ter início entre os 13 e 16 anos e que o sexo tem sim grande impacto nesses números. Além disso, essa diferença entre meninos e meninas se torna mais evidente entre os 15 e 16 anos. E o que está por trás disso?
As conclusões do artigo apontam (e digo isso com extrema inquietação) que mesmo diante de outros fatores - como acontecimentos traumáticos, déficit de apoio dos pais, etc - a insatisfação com o próprio corpo ainda parece ser o maior preditor da depressão em meninas na adolescência.
Fonte: Veronica Grech/Getty Images
O que isso diz a respeito da maneira como uma menina enxerga a si mesma diante do mundo?
A maioria de nós mulheres sente que tem que desempenhar um papel para que nossa vivência tenha qualquer tipo de validade e relevância. Esse fardo nos é entregue mesmo antes de que possamos entender o seu significado. E é feito e reforçado de maneira tão massiva, que o carregamos por quase uma vida até que seu sentido seja questionado.
Talvez para você, leitor, o meu raciocínio pareça ter se perdido entre as últimas linhas. Talvez você, leitora, saiba exatamente do que eu estou falando.
Meu papel como mulher na ciência é e sempre será esse: questionar.
Ps: Reconheça, hoje e sempre, a beleza intelectual de uma mulher.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[5] BUSS, A. H., & PLOMING, R. Temperament: Early developing personality traits. Hillsdale: Earlbaum, 1984.
The content published here is the exclusive responsibility of the authors.