Dessa forma, a nocicepção pode ser descrita como o processo sensorial que fornece as sinalizações e que permitem que o indivíduo tenha a experiência da dor. Já a dor propriamente dita é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano tecidual real ou potencial, ela é muito mais do que um estímulo nocivo, pois, envolve uma série de outros componentes. Com isso, é importante destacar que a dor pode ser agonizante mesmo sem a ação dos nociceptores. Como também uma pessoa pode ter uma sensibilidade enorme naquele local, e um toque que causaria pouca dor, naquele momento poderá ser insuportável, fenômeno é conhecido como hiperalgesia. Agora imagine alguém que acabou de ser lesionado em um membro e outra pessoa faz um toque leve no local, com certeza a experiência de dor naquele momento será bem maior do que se a pessoa não estivesse lesionada, isso ocorre justamente pela presença exagerada dos nociceptores, avisando e protegendo o indivíduo de maiores lesões. Com isso, constata-se que a percepção da dor é muito variável. Dependendo da atividade concomitante de inferências sensoriais não dolorosas e do contexto comportamental, o mesmo nível de atividade do nociceptor pode produzir mais ou menos dor.
Uma das grandes inovações em neurociências é que já existem formas de atenuação da dor fazendo uso de realidade virtual. Essas estratégias demonstram que o uso da realidade virtual com auxílio de softwares específicos podem favorecer a imersão e a interatividade dos pacientes reduzindo a percepção dolorosa, como mostra a imagem abaixo.
Essa função vital da dor é perceptível em pessoas que devido alguma alteração neurofisiológica nascem com uma incapacidade de perceber a dor, condição chamada de “insensibilidade congênita a dor”. Ela é um fenótipo extremamente raro, caracterizado pela ausência de nocicepção desde o nascimento. Estudos mostram que sua causa é genética, resultando da alteração eletroquímica que é responsável pela conexão de nervos periféricos ao sistema nervoso central, fazendo com que a dor não seja percebida. As pessoas com essa disfunção passam a vida inteira expostas a situações de perigo. Isso acontece porque a dor nos avisa essas situações, até mesmo em atividades corriqueiras, como por exemplo, se estamos forçando muito um músculo em uma atividade física, se estamos dormindo em uma posição prejudicial a nossa coluna, se um local está quente ou frio demais, entre outros. Ou situações mais graves como por exemplo, se pisamos em um prego, se quebramos uma perna, ou se estamos levando um choque, etc.
Esse vídeo mostra um episódio de "Grey's anatomy" onde uma garotinha chamada Megan possui insensibilidade congênita à dor, e está sendo analisada por um médico. Mesmo com machucados profundos, Megan não chora e ainda mostra um ferimento no braço grampeado por ela mesma na tentativa de evitar ver sangue escorrendo. Para a menina ela possuía “super poderes” e não entendia que estava sendo exposta a situações perigosas. Assim como Megan, mais de 300 pessoas espalhadas pelo mundo possuem essa condição. Pacientes com esse distúrbio tendem a morrer precocemente, mesmo tendo os melhores cuidados possíveis, pois, a capacidade de perceber a dor tem um grande valor de sobrevivência.
Muitas pessoas podem achar que o fato de não sentir dor é um privilégio, no entanto, sua ausência é extremamente prejudicial para o indivíduo. Então você gostaria de possuir esse super “poder”?
Pesquisas utilizando eletrocardioscópio (ECG) e eletroencefalograma (EEG) demonstram a percepção de alterações em sinais cerebrais de pessoas com essa patologia (padrões de EEG). Dessa forma, talvez associar o uso de realidade virtual com EEG poderá demonstrar um real ganho neurológico desse tratamento e contribuir para terapias para essa condição.
REFERENCIAS
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