A consciência é um dos temas mais fascinantes e enigmáticos da filosofia, psicologia e neurociência. Ela se refere à experiência subjetiva e fenomenológica que temos do mundo e de nós mesmos. Existem duas dimensões principais da consciência: a consciência em primeira pessoa, que é a experiência individual e subjetiva de estar consciente, e a consciência social ou coletiva, que se refere à consciência compartilhada por um grupo de indivíduos. Ambos os tipos de consciência podem ser modificados/modulados artificialmente através de alucinógenos responsáveis pela alteração do estado atual da consciência. Aqui vamos discutir Como as substâncias psicodélicas podem atuar sobre a consciência em primeira pessoa e na consciência social.
A consciência em primeira pessoa é a nossa experiência subjetiva do mundo. É o que nos permite ter sensações, percepções, emoções, pensamentos e consciência de nós mesmos como seres conscientes. Essa dimensão da consciência está relacionada ao nosso estado de vigília e à nossa capacidade de introspecção. Através da introspecção, podemos refletir sobre nossos pensamentos, sentimentos e experiências internas. Por outro lado, a consciência social ou coletiva se refere à consciência compartilhada por um grupo de indivíduos. É a dimensão da consciência que emerge das interações sociais, das normas e valores compartilhados e das instituições sociais. Essa consciência social influencia nossas crenças, atitudes e comportamentos, e molda nossa identidade coletiva, desempenhando um papel crucial na formação da cultura. Ela influencia a maneira como percebemos e interpretamos o mundo ao nosso redor, moldando nossas atitudes em relação a diferentes grupos sociais, questões políticas, valores morais e normas sociais. É através desse tipo de consciência que desenvolvemos um senso de pertencimento e solidariedade com aqueles que compartilham nossas crenças e valores, e também podemos criar mudanças sociais e promover a justiça e a igualdade. É importante notar que a consciência social não é apenas uma soma das consciências individuais, mas uma entidade distinta que surge da interação e da comunicação entre os membros do grupo. Através da comunicação, compartilhamos ideias, valores, crenças e significados, construindo assim uma consciência coletiva que orienta nosso comportamento social. A consciência em primeira pessoa e a consciência social não são mutuamente exclusivas, mas sim dimensões complementares da experiência humana. Nossa consciência em primeira pessoa é moldada e influenciada pela nossa interação com os outros e pela sociedade em que vivemos. Da mesma forma, a consciência social é construída a partir das experiências e perspectivas individuais dos membros do grupo. Esses padrões de consciência em primeira pessoa e social podem ser modificados ao longo da vida como também podem persistir e não serem maleáveis. A utilização de substâncias psicodélicas podem interferir nesses tipos de consciência podendo fornecer uma maior adaptabilidade individual e social.
Os psicodélicos são uma classe de compostos químicos que geram experiência psicodélicas, ou seja, altera os níveis de consciência, aumenta substancialmente a sensação de bem-estar e gera alucinações visuais e auditivas. Tais experiências são geradas porque as drogas psicodélicas ativam os receptores serotoninérgicos do cérebro (enganando-os) e aumentando a atividade cerebral (assim como a cafeína faz com os receptores de adenosina), como é o caso do LSD (dietilamida do ácido lisérgico), a psilocibina (substância encontrada em certos cogumelos) e a dimetiltriptamina (DMT). Existem vários tipos e classes de psicodélicos, sendo os mais estudados pela neurociência os fungos, ayahuasca e a cannabis. Os psicodélicos têm sido comumente descritos como amplificadores da consciência que podem causar fenômenos mentais que fazem com que o significado e a percepção de eventos pareçam maiores, mais vastos e mais dramáticos do que de outra forma. Como resultado, a consciência em primeira pessoa pode ser alterada de várias maneiras. A percepção sensorial pode se tornar intensificada, com distorções na forma, cor e movimento dos objetos. Além disso, os alucinógenos podem induzir experiências de dissolução do ego, onde a fronteira entre o eu e o mundo externo se torna menos clara, resultando em uma sensação de unidade com o universo ou com os outros. Essas mudanças na consciência em primeira pessoa podem ter um impacto na consciência social ou coletiva. Durante uma experiência alucinógena, a interação social pode se tornar significativamente afetada. Em alguns casos, as fronteiras entre o eu e os outros podem se fundir, resultando em uma sensação de conexão profunda com os indivíduos ao redor. Isso pode levar a um aumento na empatia e na compreensão das experiências dos outros. Também, em contextos terapêuticos ou rituais, os alucinógenos podem promover experiências de união e coesão de grupo, reforçando a consciência social compartilhada e promovendo a colaboração e a compaixão entre os participantes. No entanto, é importante destacar que os efeitos dos alucinógenos na consciência social ou coletiva podem variar significativamente dependendo do contexto, da dose, da experiência prévia e das características individuais.
Além disso, a consciência social influencia a forma como os alucinógenos são utilizados e interpretados em diferentes culturas e contextos. Em algumas tradições indígenas, por exemplo, os alucinógenos são utilizados em rituais religiosos e cerimônias comunitárias, onde a experiência alucinógena é considerada sagrada e vista como uma forma de se conectar com o divino e com a comunidade. Já em outros contextos, como o uso recreativo ou experimental, os efeitos dos alucinógenos na consciência social podem ser menos previsíveis e variáveis.
Sabemos que ambos tipos de consciências são imprescindíveis no processo de percepção étnica e social que muitas vezes podem ser nocivas. Dessa forma, estratégias que busquem a modulação e ressignificação desse tipo de consciência como os alucinógenos podem ser uma saída interessante. Além disso, trabalhos recentes têm investigado os efeitos terapêuticos potenciais dos alucinógenos no tratamento de distúrbios mentais, como a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático. Para o melhor conhecimento da utilização de psicodélicos para esses fins, é imprescindível a realização de novos estudos que mostram o comportamento neurofisiológico (como atividade elétrica (EEG) e hemodinâmica (NIRS) cerebral) após o uso e sua repercussão sobre a consciência em primeira pessoa e a consciência social.
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